quarta-feira, 11 de março de 2009

--> v e r d a d e s - e - m e n t i r a s - s o b r e - o - f e m i n i s m o
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Feminismo:
o injusto desprezo atual

Não vale dizer que esse é um tema chato, que você é feminina e não feminista (ui!) ou usar outro desses chavões que nos fazem muito mal. Feminismo é o movimento que nos deu a possibilidade de transar com quem queremos, de sair para trabalhar, de dar tchau a um casamento falido... E ainda falta fazer um monte de coisas – venha ver quanto!

Por Iracy Paulina e Lúcia Barros

Faz pouco tempo, um grupo de mulheres bacanas quebrou preconceitos, enfrentou a polícia, o Estado, a Igreja, mudou as leis e a sociedade. Muitas empenharam nessa luta a própria vida. São as feministas. O feminismo até poderia ser arquivado em museu – e revisitado como curiosidade histórica – não fosse alto o índice de mulheres que ainda apanham em casa; caso a aids não estivesse crescendo entre as monogâmicas; caso as negras não continuassem humilhadas e tendo que se esforçar em dobro para provar seu valor.

Mais: se o nosso salário fosse equiparado ao dos homens – porque, você sabe, mesmo sendo mais competente do que o colega do lado, o holerite dele é maior. A conclusão rápida é que esse movimento de mulheres e de todos os homens que amam as mulheres ainda tem muito o que fazer.
Uma série de mitos e estereótipos, no entanto, grudou nas palavras feminismo e feminista, e o conceito entrou em baixa. Um problemão, pois muita jovem de 20 anos que não conhece a história do feminismo repete chavões que nos fazem mal e acha que nós sempre pudemos decidir a própria vida. Não se dão conta de quão recentes são as conquistas que nos permitem viver como vivemos nem de quanto ainda há por fazer.

Já vencemos todas as batalhas?
Não mesmo.

Voltemos a 1988: o feminismo marcou um gol com o chamado lobby do batom, que levou os parlamentares a incluírem na Constituição direitos iguais aos dos homens para nós. “Mas esse avanço não basta”, diz a advogada paulista Valéria Pandjiarjian, do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), ao mencionar a violência doméstica. “É muito triste constatar que esse tema continua atual.” Avançamos porque a sociedade já a reconhece como crime. Até os anos 80, homens matavam suas mulheres ou amantes alegando legítima defesa da honra e escapavam da cadeia com penas simbólicas!

“Hoje os assassinatos acontecem, mas essa estratégia está desacreditada, vem em menor escala”, afirma a socióloga carioca Jacqueline Pitanguy, ex-presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e diretora da ONG Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia). As feministas lutaram pela criação de delegacias especializadas – são mais de 400 em todo o país – e, em 2006, conseguimos aprovar a Lei Maria da Penha, mas ainda não dá para cruzar os braços.

“Toda conquista tem de ser sustentada”, alerta a advogada mineira Silvia Pimentel, membro do Cedaw, da ONU, a mais alta instância internacional de defesa dos direitos da mulher. “Quem fará esse trabalho é a nova geração.” As jovens terão de dar passos maiores para que a lei saia do papel e entre na rotina. Da ala ultrajovem, a estudante de economia Latoya Guimarães, 23 anos, concorda com Silvia. “Como não precisamos mais brigar pelo direito de votar (uma conquista de 1932, baseada na luta da paulista Berta Lutz), devemos batalhar para que as mulheres ocupem mais cadeiras no Congresso, governos estaduais e prefeituras. Se já podemos estudar, temos que garantir que as meninas recebam uma educação de qualidade.” Para ela, as bandeiras são as mesmas do passado, acrescidas dos desafios que a globalização e a tecnologia trazem para essa geração.

A mulher não sofre discriminação
Para a filósofa e economista inglesa Alison Wolf, que estuda a mão-de-obra feminina no mundo há 20 anos, as jovens que deslancham na carreira não veem a discriminação que o feminismo aponta. “Elas vivem num ambiente onde há cada vez menos barreiras para o crescimento profissional desde que estejam dispostas a trabalhar como os homens, full time, sem hora para largar o batente”, argumenta. Nessa fase da vida, podem dar um gás maior no trabalho – mesmo sem tempo para si. “Então, o que elas têm em seu ambiente imediato para se sentirem preteridas ou compelidas a militar pelo feminismo? Muito pouco”, diz Alison.

A conta vem mais tarde, quando se veem estagnadas em postos intermediários, distantes da diretoria ou da presidência – o time que decide o que elas vão executar. Preço mais alto ainda cobrará a maternidade – quando muitas percebem que o tempo passou e não se tornaram mães. E quem aposta no avanço médico para engravidar depois dos 35 pode levar um susto: não, a medicina não oferece resposta para tudo.


Feministas são feias e mal-amadas
Alguns excessos foram, de fato, protagonizados por uma minoria que produziu uma espécie de machismo ao contrário. Vem daí a distorcida imagem das feministas como mulheres mal-amadas, radicais, raivosas, anti-homem. Mas nem poderia ser assim. As batalhas do feminismo, afinal, só puderam ser ganhas com o apoio dos homens – que votaram para que as mulheres tivessem o direito de votar, que votaram para que fôssemos iguais perante a lei... Esse é o movimento de todas as mulheres bem informadas e de todos os homens que têm amor pelas mulheres.

O feminismo só sobrecarregou a mulher
Não. O capitalismo está sobrecarregando as mulheres – e os homens também, ainda que em medidas diferentes. Há a crença de que a liberação da mulher levou-a a acumular papéis, colocando sobre seus ombros uma carga pesada demais. Nossa entrada no mercado de trabalho é definitiva, mas continua necessário brigar para não sermos as únicas responsáveis pelas tarefas de casa. Segundo o IBGE, as mulheres que trabalham fora gastam 20 horas semanais nos afazeres domésticos, enquanto o homem dedica a eles a metade desse tempo.

“A verdadeira pressão é econômica: no mundo de hoje, um homem sozinho não ganha o suficiente para sustentar a família”, observa Alison. Ou seja, o capitalismo exige que a mulher trabalhe fora. E isso não é ruim. Pelo contrário. Uma pesquisa com 220 mulheres de 20 a 60 anos, realizada pelo International Stress Management Association (Isma) do Brasil, associação que mede o stress, provou que o nível de gratificação das mulheres que mantinham apenas uma atividade era menor do que o das que acumulavam várias.

“Com diferentes interesses, a mulher tem mais possibilidades de se realizar, o que contribui de forma positiva para a saúde”, opina a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente do Isma. Mas, para que essa vantagem não seja desperdiçada, é preciso manter o equilíbrio entre os papéis. E essa bandeira o feminismo também defende. “Para trabalhar em igualdade de condições, temos que começar questionando qual é a atuação do nosso parceiro na família”, diz Silvia Pimentel.


O feminismo só lida com temas tabus
Sim, as questões com as quais o feminismo trabalha envolvem assuntos duros, como aborto, direitos reprodutivos, homossexualidade, prostituição, pedofilia e até a mercantilização do corpo da mulher, que impõe um padrão de beleza.

“O feminismo levanta a bandeira daquilo que a sociedade não quer falar e produz transformações”, diz Valéria Pandjiarjian. É uma tarefa difícil, que nem todos abraçam com tranquilidade, levando em conta que vivemos numa sociedade marcada por contradições. “O caldo da cultura ainda é machista, homofóbico e racista”, analisa Valéria. E Silvia Pimentel completa: “A mentalidade é o aspecto que leva mais tempo para ser mudado. E não se derrubam milênios de subordinação político-social da mulher com apenas algumas décadas de esforços”.

Quem abriu as portas?
O desconhecimento sobre a história e as bandeiras do movimento é um dos principais fatores que distanciam a juventude, segundo a advogada Silvia Pimentel. “Quando a gente encontra as portas abertas, é raro perguntar quem abriu e por quê. Nem lembramos que, quando elas estavam fechadas, eram incontáveis os obstáculos à participação da mulher no trabalho, na política e no exercício da cidadania na própria casa”, afirma.


Militante há mais de três décadas, Silvia contribuiu para mudar artigos do Código Civil que tinham conteúdo discriminatório, como o que dizia que na sociedade conjugal o marido era o chefe, a esposa mera colaboradora. As mulheres de 20, 25 anos eram meninas quando isso aconteceu. Desconhecem também outros marcos, como o livro A MÍSTICA FEMININA, de 1963, no qual a americana Betty Friedan, então dona-de-casa, afirmava que as mulheres estavam insatisfeitas com a vida sem graça que levavam, documento fundamental para o movimento de emancipação americano, o Women’s Lib.

Segundo a socióloga Julia Zanetti, 30 anos, pesquisadora do Observatório Jovem do Rio de Janeiro, o desinteresse pelo discurso ocorreu nos anos 90, quando o processo de redemocratização do Brasil parecia dar conta de todas as demandas da sociedade. “Nesse período, houve um retraimento, uma falta de renovação de lideranças”, afirma Julia.

De 2000 para cá, ocorreu uma discreta retomada dos movimentos sociais. Mas trata-se ainda de uma minoria, como observa a advogada paulista Tamara Amoroso, 25 anos. Ela conta que é crivada de olhares incrédulos quando se apresenta como feminista. “Tenho um tipo delicado, adoro cor-de-rosa, uma figura que ninguém associa ao estereótipo da feminista”, diz Tamara, que atua no Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem). “Mas, quando explico as idéias que defendo, a maioria das mulheres descobre que pensa igual.” Você não concorda?

Fonte: http://claudia.abril.com.br

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